EDITOR : ALEXANDRE FRANÇA
COLABORDORES : ANDRÉ REIS E BETH SHIMARU

segunda-feira, 2 de julho de 2012

"O amor...do cinema"

por Ingrid Assis P. Oliveira.


1. Sob as lentes de Jean-Luc Godard: Alphaville


“_ O que transforma as trevas em luz?”
“_ A poesia”, responde o homem à máquina.




Alphaville (1965)

Alphaville é uma estranha cidade, alvo de uma investigação comandada pelo agente Caution (Eddie Constantine). Ao chegar à cidade, controlada pelo computador Alpha 60 _máquina que age como um ser onipresente, capaz de ver a tudo e a todos_ o agente parte em busca do Professor Von Braun para convencê-lo a destruir a famosa máquina, que simplesmente aboliu os sentimentos dos habitantes locais. Caution conhece nessa empreitada a jovem Natacha (Anna Karina), filha do professor. Ela lhe servirá como guia em sua investigação.





Apesar da temática sci-fi, “Alphaville” destaca-se mais por seus diálogos e aspectos filosóficos e existenciais. Um filme futurista, noir, que trata de uma sociedade que deixa de dar valor aos sentimentos e às relações humanas para favorecer a tecnologia.

Em Alphaville, a sociedade aboliu o amor, o que não exclui a carga erótica dessa atmosfera, claramente observada ao serem oferecidas acompanhantes para o protagonista. Mulheres presas, nuas, dentro de um vidro. Afinal, em uma sociedade sem sentimentos, a mulher é mero objeto sexual.

Godard prova que a ciência e a razão, por mais necessárias que possam ser, jamais serão capazes de substituir o sentimento humano. Os homens sempre estarão em busca de uma compreensão para tais sentimentos. Em uma cidade onde não é permitido sentir, questionar ou criar algo que fuja da “lógica”, o ser humano acaba se transformando em um número. Cidadãos sem identidade, sem propósitos ou objetivos individuais. Inexiste a arte ou o amor.






Já se passava quase uma hora de filme, quando me surpreendi com uma das cenas mais belas (talvez, a mais) de amor que havia visto em toda minha vida. A personagem fria de Natacha, programada para ser racional, surpreende ao perguntar para Caution, com uma vozinha delicada (e em francês), o que é estar apaixonado (“Amoreux, qu´est ce que c´est?) e o que é o amor (“Alors, l´amour c´est quoi?”).




Após repetir a cena algumas (várias) vezes, confesso que corri para o computador e procurei o poema recitado por Natacha, do livro Capital da Dor, de Paul Éluard. Os desdobramentos emocionais de seus textos me deram a sensação de que tais palavras não dizem tudo o que se quis dizer. No entanto, nunca antes tal sentimento teria sido tão bem descrito.




A essência do homem é o amor, a coragem, a ternura, a generosidade, o sacrifício... O resto é obstáculo criado pelo progresso de sua cega ignorância. Conseguir tocar na alma do outro, nenhuma máquina jamais será capaz.






Poema do livro ‘Capital da Dor’ (1926) 
Paul Éluard 

Sua voz, seus olhos, 
Suas mãos, seus lábios. 
Nosso silêncio, nossas palavras. 
A luz que vai embora, a luz que volta. 
Um único sorriso entre nós. 
Por necessidade de saber, 
Vi a noite criar o dia, 
Sem que mudássemos de aparência. 
Oh, bem-amado de todos, 
E bem-amado de um só! 
Em silêncio, sua boca prometeu ser feliz. 
Cada vez mais longe, diz o ódio. 
Cada vez mais perto, diz o amor. 
Uma carícia leva-nos da nossa infância
Cada vez que vejo a forma humana 
Como um diálogo de amantes. 
O coração tem uma única boca.
Tudo por acaso. 
Todas as palavras ditas inesperadamente.
Os sentimentos à deriva. 
Os homens vagueiam pela cidade. 
Um olhar, uma palavra 
Porque eu te amo 
Tudo está em movimento
Basta avançar, para viver,
Seguir adiante em direção aqueles que você ama. 
Fui em sua direção, sem parar na direção da luz 
Se você sorrir, é para melhor me envolver 
Os raios dos seus braços entreabriram a nevoa.



FichaTécnica:

Título original: Alphaville, une Étrange Aventure de Lemmy Caution
Gêneros: Ficção Científica
Tempo: 99min
Ano: 1965
Direção: Jean-Luc Godard
Roteiro: Jean-Luc Godard e Paul Éluard

Elenco:

Eddie Constantine (Lemmy Caution)
Anna Karina (Natacha Von Braun)
Akim Tamiroff (Henri Dickson)




Ingrid Assis Pinto de Oliveira
julho 2012.



4 comentários:

  1. Esse filme parece ser realmente interessante. Nunca vi nenhum filme do Godard - pasme - mas sempre ouvi falar muito bem dele. Espero poder ver este filme logo, porque sua crítica em relação a ele foi realmente muito boa! E este poema também é lindo! Deve ser lindo ver Natacha recitando este poema!
    Enfim, seu blog é ótimo, tem umas dicas muito legais.
    Parabéns,já estou seguindo *-*
    http://daquioitentaanos.blogspot.com.br/

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  2. Olá Layla, fico feliz que tenha gostado do blog e obrigado por seguir, seguindo também o seu que gostei muito.

    Quanto ao filme garanto que vai adorar é lindo.

    :)

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  3. É Ingrid viver é mesmo perigoso. Creio que tua identificação com a personagem é repleta de significados. Deves estar ainda a questionar “Amoreux, qu´est ce que c´est?...“Alors, l´amour c´est quoi?”...!!!

    Parabéns, continue...

    Paulo

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  4. Gente do céu, vc leva mesmo jeito pra falar Ingrid. Parabéns pelo texto, muito bom!

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