EDITOR : ALEXANDRE FRANÇA
COLABORDORES : ANDRÉ REIS E BETH SHIMARU

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

"Amor à flor da pele (2000)"

por Ingrid de Oliveira

3. Sob as lentes de Wong Kar-Wai: O amor...do cinema

Mais um filme sobre amor. Este em especial, com uma alta carga erótica. Não como em “Último Tango em Paris”, recheado de cenas um tanto ousadas, mesmo se tratando de uma película extremamente romântica. “Amor à flor da pele”, é um dos filmes mais eróticos que já vi (se não, o mais), no entanto, não possui uma cena de sexo sequer. Nenhuma vulgaridade. Sensual à sua maneira.


O nome original do filme é “In the Mood for Love”, ou seja, “disponível ao amor”, ao que a seguir é traduzido em “Amor à Flor da Pele”, que sugere uma receptividade ao amor. Reflito se não somos todos assim. Ora abertos às experiências emocionais, ora fechados aos sentimentos, amedrontados, indisponíveis ao amor.


Hong Kong, anos 60. Uma realidade onde o que menos importa no mundo business, é a vida emocional. O objetivo final do trabalho parece ser apenas o poder de aquisição de lindas gravatas, maravilhosas panelas e bolsas poderosas, empregadas na sedução de frágeis seres humanos, os facilmente seduzíveis pelas coisas.

Neste cenário, o Sr. Chan e Sra. Chow viajam com frequência a trabalho e se tornam amantes. Seus cônjuges, Chow Mo-wan (Tony Leung) e a vizinha Su Li-Zhen Chan (Maggie Cheung), ficam a esperá-los, fielmente e com imenso amor à flor da pele, nunca satisfeito pelos cônjuges indisponíveis.


Kar Wai nos diz pouco sobre o casal que se ausenta, mas deixa claro o vazio de suas vidas. Sem uma referência física, qual um porto seguro, os dois amantes parecem reagir com exaltação sexual ao crescente poder de compras, tão bem alavancados e sustentados pelas redes de hotéis de luxos que se hospedam os executivos fragilizados, que por sua vez contribuem para a fragmentação da vida familiar e amorosa de nossa contemporaneidade.

Quanto à Li-Zhen e Mr. Chow, os que ficam amorosamente a esperar, primeiramente se refugiam na solidão que beira a melancolia. Preferem “confiar” a ter que se deparar com a triste e humilhante realidade da traição. Em seguida, passam a se aproximar um do outro solidariamente, com o propósito de se ampararem e partilhar a dor comum.


Ele é um jornalista que sonha em publicar artes marciais, romances. Ela é secretária em uma empresa de transporte. Eles optam permanecerem fiéis aos seus cônjuges. Os tristes “amigos” recriam momentos, indagam sobre como começaram. Até que o amor os pega inesperadamente. Em um consolo, em uma amizade, em um sonho, num cruzar, em uma convivência aparentemente banal.


O olhar de Chow é espelho fiel para Li-Zhen, que se sentindo mais forte, tolera melhor a ausência do marido e vice versa. O filme revela nossa natureza de acolhimento.

“Não basta estar bem consigo próprio no casamento”, diz Li-Zhen, referindo ao significado da casa com o cônjuge, que não se define apenas em morar juntos, mas em uma parceria viva, não virtual, como quer o mundo moderno. Isso seria a disponibilidade ao amor.

E ambos, Li-Zhen e Mr. Chow, são totalmente disponíveis e abertos à dor do outro. Oferecem a alma, não seus corpos. Não erotizam a dor, mas a partilham. O que não impede que sejam também extremamente cuidadosos com seu convívio e em relação aos cônjuges.


A partir daí, inicia-se um jogo de sedução-repulsão agoniante (“Não seremos iguais a eles”, dizem um ao outro, repetidas vezes), mas ao mesmo tempo incrivelmente sensual para o espectador. E sem nenhuma cena explícita, a gente consegue sentir na pele, na atmosfera, o amor.

O diretor Kar Wai mostra momentos de estar com uma languidez deliciosa os atos mais mundanos fetichizados. Fumando um cigarro, jantando um macarrão. As músicas latinas mescladas ao oriental. As cores, as sombras, os movimentos lentos das idas e vindas. Os sapatos, os vestidos com suas infinidades de motivos diferentes e tecidos da Sra. Chan. Sr. Chow com seu cabelo penteado para trás, suas camisas brancas do escritório, seus polidos sapatos pretos. Sutilezas.


Os menores detalhes são erotizados. O sussurro da seda, o barulho dos saltos altos sobre o piso, o som dos pingos de chuva em um rosto. Todos possuem um fascínio hipnótico. As vezes Chow e Li-Zhen roubam olhares um do outro; a câmera imita seu anseio furtivo. A cena em que Sr. Chow permanece imóvel para assistir Su Li-Zhen chan descer as escadas para comprar macarrão é de um erotismo e beleza inexplicáveis.


No filmes, as imagens nos levam a sensações praticamente reais de cheiro, perfumes ou fumaça de cigarros acesos em cena. Em algumas cenas de chuva, é possível sentirmos o odor do orvalho à noite. Podemos dizer que a ação flutua na situação. O presente se corporifica, o tempo se pressente, a imagem fica exposta “à flor da pele”.

Enquanto é verdade que estamos preocupados com o seu amor, a dor que os conectou, as circunstâncias da sociedade que os mantem afastados, a facilidade com que as pessoas que realmente se encontram na maioria dos filmes (hollywoodyanos) parece ser uma falsidade. Talvez por isso este filme toca tão profundamente nossos corações.


Li-zhen às vezes liga secretamente ao amigo, talvez no intento de reafirmar seu porto seguro. Já o Sr. Chow segue sozinho. E quando a dor aperta, ao contrário do colega de trabalho, que distrai a dor na companhia de uma prostituta, Chow procura um buraco no mármore, único local confiável, sussurra a sua dor dentro dele, tapa o buraco inumano com barro e deixa seu segredo lá, para sempre. E quizás, quizás, quizás, encontrar algum dia o conforto humano para sua dor gritante ou fugir daquilo que arde e queima em seu interior.

A canção tema é uma melodia tocada por violinos. Apaixonada e um tanto delicada. Triste, até. Agridoce. A escolha das músicas se encaixa no período do filme. A voz de fusão de Nat King Cole cantando em espanhol é ouvida na trilha sonora. Nunca mais consegui ouvir “Quizás, Quizás, Quizás” e não associá-la imediatamente ao universo deste filme. A letra é repleta de possibilidades.


“Quizás”, na voz de Nat King Cole, é quase uma legenda sonora. O quizáz expressa não apenas a impossiblidade que os protagonistas têm de transcender o sentimento de culpa por um adultério que não chegam a consumar, mas aponta para o “quase”.

Quando descobrem que realmente se amam, já é tarde demais. “Estás perdiendo tiempo, pensando, pen-sando”, diz a canção, que funciona como um “monólogo interior” dos dois personagens.



Os protagonistas são sublimes, sendo capazes de transmitir uma sensualidade e desejo quase cerebrais, fruto de uma relação platônica, baseada na sugestão. O casal consegue transmitir ao espectador a crescente paixão e emoção entre eles. Apesar de falarem muito pouco em cada cena.

“Amor à flor da pele” é um desses filmes que nos fazem sentir sem precisarmos racionalizar o que estamos vendo. O tipo de filme que provoca uma emoção em quem se identifica com eles e só depois interessa a própria história. O filme está vivo com delicadeza e sentimento.


Ficha Técnica:

Título Original: In the Mood for Love
Tempo de Duração: 98 minutos
Ano de Lançamento: 2000
País: China
Direção: Kar Wai Wong
Roteiro: Kar Wai Wong

Elenco:

Tony Leung Chiu Wai (Chow Mo-wan)
Maggie Cheung (Su Li-zhen Chan)



Quizás, Quizás, Quizás

(Oswaldo Fares)


Siempre que te pregunto (Sempre que te pergunto)
Que, cuándo, cómo y dónde (O que, quando, como e onde)
Tú siempre me respondes (você sempre me responde)
Quizás, Quizás, Quizás (Talvez, talvez, talvez)

Y así pasan los días (E assim passam os dias)
Y you, deseperado (E eu estou desesperando)
Y tú, tú contestando (E você, você respondendo)
Quizás, quizás, quizás (Talvez, talvez, talvez)

Estás perdiendo el tiempo (Está perdendo tempo)
Pensando, pensando
(Pensando, pensando)
Por lo que más tú quieras (Por mais que tu queiras)
¿Hasta cuándo? ¿Hasta cuándo?(Até quando? Até quando?)

Y así pasan los dias (E assim passam os dias)

Y yo, desperado (E eu estou desesperando)

Y tú, tú contestando (E você, você respondendo)

Quizás, quizás, quizás (Talvez, talvez, talvez)

por Ingrid de Oliveira (agosto/2012)

3 comentários:

  1. Que lindo, quero assistir, com certeza! Super beijo pra você Ingrid!!!

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  2. Ótimo filme e lindo texto sobre ele. O filme é muito sutil e cheio de detalhes. Só consegui reparar em alguns detalhes depois de ler o texto, haha! Parabéns!

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  3. Este filme é intenso e único. Pena que a indústria do cinema apenas dê destaque e filmes comerciais e cheios de clichês.
    Vc escreve muito bem.

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