EDITOR : ALEXANDRE FRANÇA
COLABORDORES : ANDRÉ REIS E BETH SHIMARU

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

"A cidade das bicicletas"

por Alexandre Corrêa.



Copenhague_2011_ 

Reflita. A cidade que você escolheu para viver conta com políticas públicas voltadas para a boa saúde de seus habitantes? Sobre o tema, logo pensamos nos hospitais públicos, na oferta de medicamentos, na rede de atendimento médico e nos serviços de tratamento de água e esgoto. Sim, tudo isso é necessário e deve existir da forma mais eficiente possível, mas saúde pública não pode se limitar a esta estrutura no atual estágio de desenvolvimento econômico-social do país. Cada vez mais, saúde pública dependente de ações governamentais capazes de evitar ou mesmo retardar doenças. Medidas preventivas de restrição ao fumo, de incentivo ao uso de preservativos nas relações sexuais e mais recentemente, a obrigação das montadoras reduzirem a emissão de gases tóxicos nos veículos fabricados, são bons exemplos brasileiros.

Esta reflexão me deixou curioso quanto aos dados da saúde pública do lugar onde vivo. Uberlândia, localizada no centro do Triângulo Mineiro é uma belíssima cidade e concentra quase um quarto da população desta região. São aproximadamente 630 mil pessoas vivendo por aqui (CENSU – IBGE/2010). O último relatório de gestão da Secretaria Municipal de Saúde, divulgado no ano passado, informa que o município conta com 360 milhões de reais anuais para promover a saúde local. Isto permite uma aplicação per capta de aproximadamente R$ 600,00.

Interessou-me então conhecer a natureza das doenças que mais oneram os cofres públicos de Uberlândia. Dentre as patologias enumeradas no relatório, destaque para as doenças do aparelho circulatório, causa maior dos óbitos ocorridos no município em 2010, especialmente entre as pessoas de 40 a 59 anos. Os dados não destoam do que ocorre no restante do país. O Ministério da Saúde atualmente aponta o AVC (acidente vascular cerebral) como a maior causa de morte no Brasil.

Hábitos de vida nada saudáveis como o tabagismo, o alcoolismo e o sedentarismo, somados a fatores genéticos e a rotinas estressantes (longas jornadas de trabalho e vida em cidades poluídas), explicam tais números. Alguns vão afirmar que apesar de tudo, a expectativa de vida dos brasileiros aumentou na última década. Correto, mas creio ser questão maior neste contexto, não apenas viver, mas como viver.

A qualidade de vida pauta discussões em todo o planeta fruto da urgente demanda ambiental e das disparidades sócio-econômicas entre as nações. Não apenas a vida de cada um interessa, mas a qualidade da vida coletiva. O direito a uma existência digna parece finalmente orientar políticas públicas voltadas para o desenvolvimento humano. Logo, o bem estar do meu vizinho interessa-me por vários fatores sociais relevantes, a começar pela saúde da comunidade onde vivo. Uma sociedade sadia significa redução de custos e otimização de ganhos. Os cofres públicos são menos onerados com demandas da saúde pública. Por outro lado, a força produtiva aumenta como consequência da boa saúde populacional e um quadro promissor para o desenvolvimento passa a existir.

Será que estou me perdendo em utopias? Resolvi buscar alguma referência mundial. Dentre as várias possibilidades, Copenhague, capital da Dinamarca, pareceu-me interessante por conta da solução adotada para o seu caótico trânsito da década de 80. A cidade colocou seus moradores para pedalar. Hoje, ao lado de de Amsterdã e Barcelona, Copenhague tornou-se uma das três melhores cidades para se pedalar no mundo.

Há três décadas o governo da capital dinamarquesa, atendendo reivindicação da população, iniciou um programa de incentivo ao uso das bicicletas como principal meio de transporte para residentes e turistas. O resultado é surpreendente. Copenhague se aproxima da minha cidade em tamanho. Sua população na área urbana concentra cerca de 540 mil moradores (1,1 milhão, considerando o entorno), enquanto cá, residem aproximadamente 630 mil pessoas. No sítio oficial da cidade, a prefeitura disponibiliza um levantamento mostrando que cerca de 40% da população usa regularmente a bicicleta para trabalhar e estudar. Apenas 20 % das pessoas usam seus carros na cidade, o restante prefere o transporte público coletivo ou se locomovem como pedestres. Até 2015 a administração pública espera que 55% da população tenha a bicicleta como transporte habitual.

The Museum of Danish Resistance 1940-1945_Copenhagen

O estudo aponta ainda sensível decréscimo na frota de veículos particulares na última década. A proporção de carros por habitante é de 1 para 5, numa frota estimada em 96 mil veículos. Para se ter uma ideia do que isto significa, Uberlândia, onde resido, encerrou o ano de 2011 herdando a segunda maior frota de veículos do Estado de Minas Gerais. São 327 mil veículos circulando diariamente por suas ruas congestionadas e poluídas (ruído e fumaça). A relação de um veículo para cada dois habitantes em minha cidade é realidade cada vez mais alarmante.

Teoricamente na “contramão” do desenvolvimento, Copenhague preparou o seu trânsito para priorizar as bicicletas. São 350 km de ciclovias ligando o centro aos principais bairros. Boa sinalização e pavimentação garantem o máximo de segurança aos ciclistas e o transporte público coletivo permite a integração das bicicletas com o metrô, trens e ônibus. Além disso, inúmeros bicicletários estão instalados em empresas, prédios públicos e privados. Existe também um serviço público de empréstimo de bicicletas.

O prefeito da cidade, Frank Jensen, diariamente segue para a prefeitura, pedalando. Ele aponta a meta para 2025. Tornar Copenhague a primeira cidade totalmente sustentável do planeta. A depender das bikes e demais programas “verdes” como a coleta seletiva do lixo e a produção de energia eólica, que por sinal atende 20% da demanda energética do país, muito provavelmente o título virá antes.

Os números da cidade das bicicletas mostram que os gastos públicos, não só com a saúde, reduziram consideravelmente. Cada ciclista pedala em média 17 km por dia, viajando a 20 km/h, ou seja, a população se movimenta muito num trânsito seguro e com pouco stress. Todos estes fatores, somados à redução da frota de veículos na cidade, revelou, segundo estudos da prefeitura, que a cada quilômetro pedalado, Copenhague ganha R$ 0,40, ao passo que cada quilômetro percorrido de carro faz com que os cofres públicos percam R$ 0,25.

Os motivos para índices tão surpreendentes são facilmente identificados. A bicicleta em Copenhague funciona como um bom instrumento de promoção da saúde preventiva. Desde a implantação, o programa gerou drástica redução de acidentes automobilísticos e contribuiu para diminuir os níveis de poluição sonora e de gases tóxicos. A lógica dos dinamarqueses é simples: menos veículos circulando pelas ruas, menos doenças respiratórias e cardíacas; mais pessoas pedalando, mais saúde coletiva.

Voltemos à minha cidade. O sítio da prefeitura de Uberlândia também apresenta informes detalhados sobre as políticas públicas empreendidas para o bem estar da população. Depois de conhecer o sistema de trânsito eleito pelos dinamarqueses, busquei identificar as prioridades do poder público de Uberlândia na organização do trânsito. Segundo a Secretaria de Trânsito e Transportes (Settran), a malha viária municipal tem 2.800 km, dos quais apenas 32 Km estão reservados para ciclistas. Assim como a prefeitura de Copenhague, o governo municipal de Uberlândia também tem um plano para melhorar o trânsito local. Até o final deste ano o “Programa Uberlândia Integrada” pretende investir cerca de 80 milhões de reais em novas avenidas e viadutos para atender os seus 327 mil veículos.

E as bicicletas de Uberlândia, alguma chance? Acreditava que sim, já que não cai neve por aqui, o clima é tropical, chove pouco, a cidade é bastante plana, enfim, apresenta condições bem mais favoráveis para boas pedaladas do que as existentes em Copenhague. Como já desconfiava, ainda não estamos preparados para medidas comprometidas com a prevenção na saúde pública se o assunto é mobilidade urbana. Dentre as grandes cidades brasileiras, raríssimo exemplo é dado pelo Rio de Janeiro. A cidade possuí a maior ciclovia do país com 140 km de faixas exclusivas para as bicicletas, além de oferecer 190 bikes de aluguel.

“O maior conjunto de obras viárias da história de Uberlândia”, conforme slogan publicitário do programa governamental, entregará apenas 7 km de ciclovia no curso lateral da principal avenida da cidade. Interessante notar que os 327 mil veículos de Uberlândia representam o triplo do que aqui existia há 6 anos. A continuar assim este número deverá duplicar até 2015. Proporcionalmente isto pode representar mais acidentes, mais poluição, mais doenças e mais gastos com saúde pública.


Comparando as bicicletas de Copenhague com a frota de veículos de Uberlândia, dúvidas não tenho sobre qual caminho deveríamos seguir.

Referências:



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